Curso de Antibioticoterapia: Aula 3 - Penicilinas Naturais e Semissintéticas

 O que é Penicilina?

A penicilina foi descoberta por Alexander Fleming em 1929, mas se tornou devidamente um medicamento em 1941, graças à Ernst Chain e Howard Florey.

A penicilina é um antibiótico betalactâmico obtido a partir de culturas de fungo e que possui diferentes frações, no entanto, a única fração utilizada em humanos é a G, também conhecida como Benzil-penicilina.

A Benzil-penicilina é um ácido orgânico, sua estrutura possui um anel de tiazolidina + um anel betalactâmico. A estrutura base de todas as penicilinas é o Ácido 6-amino penicilânico (6 APA).

Figura 1: Ácido 6-amino penicilânico (6 APA)

O que muda de uma penicilina para outra é o radical 6, mostrado na figura, sendo o radical da Benzil-penicilina um radical benzílico.

Espectro de Atuação

  1. Cocos gram positivos(+)

  • Estafilococo (100% resistente hoje)
  • Estreptococo
  • Pneumococo (100% resistente hoje)
  1. Cocos gram negativos (-)

  • Meningococo
  • Gonococo (100% resistente hoje)
    1. Bacilos gram positivos (+)

    • Corynebacterium diphteriae (difteria)
    • Cloristidium tetari (tétano)
    • Cloristidium botulinum
    • Erysipelothrix rhusiopathiae
    1. Espiroquetas

    • Treponema pallidum (sífilis)
    • Treponema pertenue (bouba)
    • Leptospiras
    1. Actinomycetos

    Mecanismo de Ação

    A penicilina G, assim como os outros betalactâmicos, é um bactericida, que interfere na síntese da parede celular da bactéria durante a multiplicação. Também como os outros betalactâmicos, a penicilina é antagonizada pelos bacteriostáticos.

    As bactérias possuem uma estrutura que não está presente nas células eucarióticas, que é a parede celular. A parede celular é como um revestimento acima da membrana celular e tem a função de manter o equilíbrio osmótico das bactérias, pois sua pressão osmótica interna é mais alta que a externa. Caso não houvesse a parede celular, as bactérias sofreriam uma entrada brusca de água e explodiriam.

    Bacilos gram negativos, além da parede celular, possuem três camadas de muco polissacarídeos, que impedem a ação da penicilina.

    As bactérias possuem uma proteína em sua membrana chamada PBP (Penincilin Binding Protein), responsável por incorporar uma substância chamada Ácido N-Acetil murâmico à membrana, gerando a parede celular. A PBP tem afinidade pelos antibióticos betalactâmicos, que se conjugam com a mesma, inibindo de forma competitiva a ligação do Ácido N-Acetil murâmico, o que impede a formação da parede celular bacteriana.

    Difusão

    A penicilina é um hapteno, que se conjuga com proteínas plasmáticas. Em indivíduos sensíveis à penicilina, essa conjugação transforma a penicilina em um antígeno, promovendo reação imunológica.

    Em mulheres grávidas, a peniclina G aparece em níveis proporcionais na mãe e no feto, mas sem danos, o que a torna um medicamento seguro para esses casos (grupo B, segundo o FDA).

    Efeitos Adversos

    De maneira geral, a penicilina é um fármaco bem seguro. Dentre seus efeitos adversos podemos ter:

    1. Problemas cardíacos, devido ao potássio da penicilina G potássica

    2. Hipertensão, devido ao sódio da carbenicilina

    3. Reações alérgicas (problema mais comum)

        Os efeitos alérgicos podem ser:

      1. Mediados por IgE

        • Urticária
        • Edema de Quincke
        • Asma
        • Rinite
        • Choque anafilático
      1. Mediados por anticorpos citotóxicos

        • Hemólise
        • Plaquetopenia
      1. Mediados pela formação de imunocomplexos

        • “Doença do soro”
        • Vasculite
      2. Mediados por linfócitos T sensibilizados

        • Dermatite de contato
        • Stevens-Johnson

    Prática Clínica

    Penicilina G Potássica:

    • Sepse
    • Meningite
    • Tétano
    • Difteria
    • Endocardite bacteriana
    • Infecção anaeróbia
    • Gangrena gasosa

    Penicilina Procaína (tempo de meia-vida maior):

    • Faringo-tonsilites
    • Difteria
    • Escarlatina

    Penicilina G Benzatina (absorção e eliminação lentas):

    • Sífilis (principal tratamento)

    Obs: Para alérgicos à penicilina, é possível o uso de Tetraciclinas ou eritromicina no tratamento da sífilis.

    • Sífilis em gestantes

    Obs: Para gestantes alérgicas à penicilina, não se pode utilizar Tetraciclinas, pois as mesmas apresentam características teratogênicas. Também não é viável o uso de Macrolídeos, como a eritromicina, pois os mesmos não atravessam a barreira placentária, e por consequência não tratam o bebê.

    Portanto, em casos de gestante com alergia à penicilina, a mesma deve ser tratada com ceftriaxona (CEF 3a geração) durante 15 dias. Após o nascimento, é necessário que o bebê, ainda na maternidade, seja tratado com penicilina G potássica, ou procaína.

    Outros Grupos de Penicilinas

    1. Isoxazolil Penicilinas

    • Resistente à enzima betalactamase bacteriana
    • Indicada para infecções por estafilococos
    • Intensa ligação às proteínas plasmáticas
    • Não atravessa a barreira das meninges
    • Absorção oral precária
    • Eliminação renal
    1. Amino-benzil Penicilinas

    • Amplo espectro (agem em bacilos gram negativos (-)
    • Amoxicilina (via oral)
    • Ampicilina (via parenteral)
    • Atravessam meninges e barreira placentária
    • Não são metabolizadas (podem ser usadas por hepatopatas)
    • Eliminação renal ainda em atividade
    1. Caboxi-benzil Penicilinas

    • Ação principalmente sobre gram negativos (-)
    • Principais drogas do grupo: Carfecilina e Ticarcilina
    1. Ureído Penicilinas

    • Esse grupo engloba apenas a Piperacilina, penicilina semi-sintética, derivada da ampicilina
    • Amplo espectro (cocos gram positivos (+) e gram negativos (-), além de bacilos gram negativos (-)
    • Sensível à betalactamases, por isso é utilizada em associação com tazobactam
    • Alta concentração plasmática e biliar, mas baixa concentração no líquor
    • Eliminação principalmente renal, mas também biliar/fecal

    Obs: Para enfrentar a resistência bacteriana causada pela ação das enzimas betalactamases, foram desenvolvidos fármacos inibidores para as mesmas. Esses inibidores consistem, basicamente, em betalactâmicos de baixo efeito antibacteriano, mas com alta suscetibilidade às enzimas. Alguns exemplos são:

    • Ácido Clavulânico (clavulanato de potássio)
    • Sulbactam
    • Brobactam
    • Tazobactam
    • Avibactam

    Referências:
    Curso de Antibioticoterapia da Liga de Clínica Médica (LCM) da Universidade Federal de Alagoas (UFAL).

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